O Brasil como ele é

por Mario Moscatelli

Sobrevoando a região metropolitana do Rio de Janeiro uma vez por mês nos últimos 17 anos, tenho o infeliz privilégio de constatar que o Brasil é um país de mentirinha, pelo menos no que diz respeito às questões ambientais, onde tudo é regido por leis, regulamentos mas que na prática de pouco valem dependendo do freguês.

A baía de Guanabara, a maior cloaca da região metropolitana, apresenta praticamente toda sua bacia hidrográfica transformada numa imensa vala de esgoto e lixo, subproduto da ocupação urbana desordenada observada em todos os municípios que a rodeiam, sejam eles pobres ou ricos. A regra é ocupar de qualquer jeito morro acima e baixada abaixo, deixando para o ambiente a conta da ausência de políticas públicas permanentes e eficientes no que diz respeito a habitação, transporte e saneamento.

Mesmo tendo recebido desde 1994, 1.8 bilhões de dólares em valores atualizados, até hoje (2014), a estação de tratamento de São Gonçalo nunca tratou sequer uma gota de esgoto e a estação da Alegria, a maior do sistema de estações do programa de despoluição da baía de Guanabara (PDBG), funciona apenas com metade de seus equipamentos, enquanto que o esgoto que falta nas estações sobra nos rios, na sua maioria mortos.

Para piorar a situação, em virtude do prosseguimento do crescimento desordenado, sem qualquer aparente tipo de fiscalização municipal, rios que até dez anos atrás ainda poderiam ser chamados de rios hoje já se somam aos demais valões de esgoto da Baía de Guanabara. Exemplos desta situação são dos rios Estrela, entre Duque de Caxias e Magé, e Guaxindiba, situado dentro da APA Federal de Guapimirim, e que recebe o esgoto dos municípios de São Gonçalo e Itaboraí.

Em resumo, no meu entender, nunca houve interesse de governo algum em recuperar a Baía de Guanabara, pois sua recuperação gera um efeito colateral desagradável aos péssimos gestores públicos locais, isto é, a suspensão de novos empréstimos periódicos para a teórica recuperação da baía. Isso está claro diante dos valores investidos, perdidos em gestões públicas no mínimo temerosas e que geraram resultados ambientais pífios para a alegria dos que têm na degradação da baía uma fonte inesgotável de obras e recursos.

Nem em virtude dos eventos testes de 2014, visando as Olimpíadas, nossos “eficientes” gestores públicos tomaram qualquer iniciativa no sentido de combater vazamentos permanentes de esgoto em áreas estratégicas para as provas de vela, tais como enseada de Botafogo e Marina da Glória. Simplesmente atletas brasileiros e estrangeiros foram obrigados a conviver com águas contaminadas por esgoto e resíduos de toda espécie. Simplesmente nossas autoridades perderam toda a pouca vergonha que deviam ter na cara!

Quando se sobrevoa o sistema lagunar da Baixada de Jacarepaguá, região na qual estão sendo construídas a Vila Olímpica e o Parque Olímpico, o quadro de degradação se repete da mesma forma que na Baía de Guanabara.

Em menos de cinqüenta anos de crescimento sem qualquer infraestrutura compatível com o nível de crescimento impetrado na região da Baixada de Jacarepaguá, produziu-se no Sertão Carioca de Magalhães Corrêa o mesmo cenário de bacanal ambiental observado na baía. Bacia hidrográfica transformada em valões de lixo e esgoto e lagunas transformadas em imensas latrinas, sendo que, na laguna da Tijuca, a mesma deixou de ser uma laguna e atualmente é um canal raso, pútrido por esgoto, cercado por ilhas de lama e lixo que ocupam 90% de seu espelho d’água original.
Há pouco menos de 18 meses para as Olimpíadas praticamente nada se fez no sistema lagunar em termos de recuperação. Por motivos por mim desconhecidos, os Ministérios Público Estadual e Federal resolveram questionar o projeto de recuperação aos “45 minutos do segundo tempo”, isto é, quando o mesmo já havia sido iniciado é que os órgãos de fiscalização resolveram fiscalizar, fato que poderiam tê-lo feito muito antes. Nesse contexto, de análises sem prognóstico de fim, já foram perdidos mais seis meses e, dessa forma, esgoto, lixo, sedimentos e cianobactérias vão se acumulando e asfixiando o sistema lagunar e sua fauna, completamente contaminada.

Em resumo, esse é o espelho de um país de mentirinha, onde políticos e gestores públicos brincam de meio ambiente, brincam com recursos econômicos bilionários mas sem qualquer responsabilidade pessoal sobre os resultados ambientais esperados. Simplesmente quando dá alguma coisa errada, como de praxe, a resposta sempre se mostra associada com “equívocos técnicos” onde ninguém é responsável por nada e onde a degradação ambiental é apenas uma conseqüência sem explicação nem punição, algo sobrenatural!

O Brasil do século XXI continua com uma colônia de exploração do século XVIII onde a classe de políticos que gerem os recursos públicos vivem numa realidade alternativa cor de rosa, funcionando como a moderna corte portuguesa, protegida por foros privilegiados e pelo sociopata corporativismo patológico, alimentado abundantemente pela certeza da impunidade e da prevaricação quase sistêmica.
Destaca-se como componente fundamental para o quadro de degradação observado a apatia da sociedade pagadora de impostos, de fundamental importância para que factóides ambientais e resultados ambientais irrelevantes ao custo de dezenas ou centenas de milhões de reais continuem sendo gerados com toda a certeza de que a degradação continuará alimentando mais algumas gerações de péssimos administradores públicos, acima do bem e do mal.

A degradação da região metropolitana do Rio de Janeiro, é reflexo de tudo isso.

* é biólogo, MSc. em Ecologia.

Artigo publicado na Folha do Jardim de Janeiro/2015

 

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