Sustentabilidade

O Day After

por Mario Moscatelli

Mário Moscatelli. Foto de Custodio Coimbra
Foto de Custodio Coimbra

por Mario Moscatelli

Passado o ciclo dos grandes eventos que tomou conta do Rio de Janeiro bem como do círculo virtuoso amoral do esbanjamento de dinheiro público em obras superfaturadas, desviadas e muitas das quais abandonadas, que fizeram a felicidade de uma minoria constituída por financiadores e seus apadrinhados políticos em detrimento da maioria dos mesmos, aqueles, sem água, sem esgoto, sem moradia, sem educação, sem saúde, sem ambiente e muitas vezes sem vergonha na cara, finalmente após sete anos, chegamos ao Brasil, ao Rio de Janeiro real, “onde há tudo e quase nada funciona”.

De tudo que havia sido prometido há sete anos na esfera ambiental, praticamente nada se concretizou. Por um lado, pela falta de vontade de cumprir o acordado, como foi o caso na Baía de Guanabara, onde as autoridades, que tiveram tempo, recursos financeiros e condições políticas únicas de fazer um divisor de águas na história baía, simplesmente se omitiram e preferiram a conhecida falta de vergonha na cara. Quando se tentou fazer alguma coisa de mais concreto, já estávamos em plena crise econômica e praticamente sem tempo algum para reverter o quadro de degradação já conhecido.

No caso do sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá, a grande latrina da cidade do Rio de Janeiro, o enredo do filme de terror foi pior ainda. Nesse caso, o Governo do Estado tinha projeto e os recursos financeiros, no entanto, ações no meu entendimento, fora do espaço e do tempo do Ministério Público Estadual e posteriormente do Federal, acabaram por atrasar o início das obras de dragagem das lagunas pútridas e assoreadas em mais de um ano. Da parte dos senhores promotores e procuradores, havia necessidade respectivamente de correções técnicas no projeto, bem como correções no tramite legal da concessão das licenças ambientais.  Tudo ótimo, afinal o MP serve é justamente para fiscalizar o cumprimento das leis. Quando todos se deram por satisfeitos em suas demandas, o dinheiro da obra foi parar em outro lugar, sendo reduzido dos seiscentos milhões de reais para pouco mais de setenta milhões que finalmente foram arrestados pela justiça para o pagamento de funcionários. Não é bom?!

Infelizmente a atuação decidida do MP ocorrida na questão do projeto de recuperação das lagunas, em ambas as esferas, não tem sido observada, salvo meu desconhecimento, nas causas que degradam o sistema lagunar desde a década de oitenta do século passado, isto é,  sobre o crescimento urbano desordenado onde a prefeitura parece não ter muito gosto pelo assunto e pela transformação da bacia hidrográfica local em valões de lixo e esgoto in natura, onde a coleta e o tratamento do esgoto universalizado, apesar de algumas recentes melhoras e das contas que a maioria dos moradores recebem de forma britânica, continua uma miragem num futuro indefinido.

É importante lembrar que a atuação da prefeitura do Rio de Janeiro tão determinada na região portuária do Rio de Janeiro, cumprindo metas e prazos, coisa difícil de se ver por essas bandas, foi diametralmente oposta quando se tratou das obrigações ambientais, assumidas para com os jogos olímpicos. Demonstrando que pouco lhe interessa esse tipo de assunto, apesar de ter presidido o Grupo C40 de megacidades sustentáveis, o atual prefeito que se despede em breve ao estilo “entrego as chaves e me voy”, praticamente nada cumpriu em relação aos rios de nossa cidade bem como em relação ao crescimento desordenado de favelas, uma histórica chaga sócioambiental em nossa cidade, produto da ótica política amoral onde a pergunta chave é: O que vai me render mais votos? Claro que não é o controle desordenado!

Em resumo de forma icônica, o recente atentado às dependências do Jardim Botânico do Rio de Janeiro por nada menos de 25 delinquentes, terroristas, arruaceiros, como queiram chamar, na madrugada do dia 8 de novembro de 2016,  mostra o day after que vivemos onde o colapso das ineficientes políticas públicas, da falta de compromisso da maioria das autoridades eleitas bem como do também colapso das autoridades do ponto de vista moral nos conduzem para um cenário de consequências sócio-econômicas e ambientais imprevisíveis ou talvez bem previsíveis para os bons alunos de história.

Fato é que todo esse desequilíbrio é fruto por um lado de uma sociedade apática, “corna e mansa” e bem-comportada diante dos maiores absurdos cometidos pela maioria da classe política medieval brasileira e, por outro, pela certeza da impunidade que até pouco tempo atrás norteava os ungidos pelas urnas e pelo foro privilegiado, garantido pelas castas periféricas existentes no poder público, que de público só tem o nome. Enfim, a tempestade perfeita!

Portanto, vivemos tempos de day after, claramente previsíveis desde 2010 por parte dos entendidos em finanças públicas, quando os “gestores” transformavam o círculo virtuoso econômico, dificilmente construído desde o plano Real, num círculo vicioso de degradação generalizada, que deu no que deu.

Deus salve a Natureza, pois essa não paga impostos e não vota, mas sabe se vingar como poucos!

Mario MoscatelliMario Moscatelli é biólogo, mestre em ecologia e especialista em gestão/recuperação de ecossistemas costeiros.Artigo publicado na Folha do Jardim de Novembro/2016

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